Savana



Falar sobre confiança é afiar o cabo de uma faca. Confiar é risco, dor, desapontamento, mas acima de tudo (e sabe-se lá o motivo), é uma necessidade humana.

Não tenho o hábito de confiar em muita gente, na verdade não confio em quase ninguém, afinal de contas, na somatória dos meus anos (conte desde a primeira infância), tudo o que o mundo me mostrou é que a traição é questão de oportunidade — e tempo.

No mundo atual estamos cada vez mais aprisionados em nós mesmos. Fixados em nossas conchas, amaldiçoados, sedados, brutalizados. De muitas formas, voltamos a habitar nossas cavernas, odiando e sendo odiados pelos nossos pares, esperando o momento oportuno de acertar as contas com alguém.

Todo mundo está com medo.

De perder o que conquistou, de não conquistar mais nada, de ser atirado de volta a um recomeço. O que muitos não percebem, no entanto, é que cada sabotagem para assegurar-se cobra um preço alto no final da trama. Não é pago hoje, ou amanhã, mas é uma conta que fica pendurada na alma do infeliz, até o final dos dias, até o último suspiro.

Ontem fui acusado (de novo) de ser um inconformado. Ok. Devo ser. Para mim, pior que qualquer traição, só mesmo o abandono, a aniquilação da memória, o isolamento não necessário, a boa e velha guerra de trincheira.

Por que isso ainda acontece?

Porque todo mundo está com medo. Da própria incompetência, de ter sua bandeira rasgada, de ver desvalorizados seus posicionamentos e de perceber, finalmente, que ninguém o valoriza (ou às suas opiniões) como você gostaria.

Sabe o que sempre é mais forte que a confiança?

O medo de novo.

Mas... — aprendi com meu pai — “você precisa confiar em alguém”. Porque nesse mundo de selvagens e vagabundos, alguma alma há de ser compatível, sincera, alinhada com a sua. Eu não sei se existe mais de uma, mas acredito que uma seja o suficiente. Alguém pra somar e não dividir, alguém que possa saber de sua felicidade sem desejar tomá-la pra si. Apesar das pancadas, é preciso acreditar que o mundo tenha jeito, apesar das pancadas, é preciso aguentar o tranco.

Não sou um fã do ser humano, sempre preferi cachorros e gatos. Por outro lado, lá no fundo, eu ainda penso que conheci muitos seres humanos errados, tortos, incompatíveis. Longe de ser perfeito, eu também talvez seja considerado por muitos deles “um dos piores”. Ainda assim, persisto tentando me conectar a alguém, ou a alguma coisa que não me odeie, não me sugue, não me morda quando estendo a mão.

Cancelamentos, isolamentos, sabotagens, punhaladas, puxadas de tapete, conspirações, conversas veladas, segredos sujos, emboscadas, facadas, macumbas, mandingas, maus olhados, maus agouros, maus livros, maus filmes! Má vontade, má fé, más ideias, má prosa, má poesia, má vida! Mau, mau, mau! Mau pra caralhoooooo! 

Mas confie.

Mas insista.

Mas persista.

Nessa savana de abutres e hienas, existe alguém que merece a sua confiança.


Cesar Bravo 

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